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sexta-feira, agosto 22, 2008

O Dicionário e a Palavra Protestante

Trabalho apresentado para a disciplina de Lexicologia e Lexicografia do curso de Lingüística na UNICAMP

Para este trabalho, consultamos três dicionários, verificando em cada um deles a entrada Protestante.
Minidicionário Silveira Bueno.

, Adj. Que protesta; relativo ao protestantismo; diz-se do partidário da Reforma (luteranos, calvinistas, anglicanos, etc.); s. partidário da Reforma.
Dicionário Global da Língua Portuguesa.
, adj. 2 gên. Que protesta; relativo ao protestantismo; s. 2 gên. pessoa sectária do protestantismo; s. m. pl. denominação dada aos luteranos, calvinistas e anglicanos. (Do lat. Protestante)
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
[Do lat. protestante] Adj. 2 g. 1. Que protesta. 2. Relativo ao, ou próprio ao protestantismo. 3. Diz-se de partidários da Reforma que protestaram contra a decisão da Dieta de Espira (1529). 4. Diz-se de membros de seitas não católicas da religião cristã, com exceção dos ortodoxos [v. ortodoxo (5)]. S. 2 g. 5. Partidário da Reforma. 6. P. ext. Indivíduo protestante (4). [Cf. huguenote. Sin., bras., pop.: crente, evangelista, nova-seita, missa-seca, bíblia, bode, come-santo, frei-bode.]
Quanto à forma, todos os dicionários trazem em primeiro lugar o tratamento do vocábulo como adjetivo e, depois, como substantivo.
Os dois primeiros dicionários, em suas abordagens, fazem referências que podemos facilmente ligar à tradição européia de protestantismo, que são luteranos, calvinistas e anglicanos. O Silveira Bueno em adjetivo e o Global em substantivo. Isso é ainda mais lacônico do que parece à primeira vista, porque sequer dá conta de todas as manifestações de grupos reformadores europeus do século XVI. Vale notar que o Silveira Bueno, que “pretende” ser lacônico por ser “mini”, evade de tal sinuca com um etc. O Aurélio, por outro lado, resolve expandir, opondo protestantes a católicos romanos e ortodoxos em 4, como adjetivo.O Silveira Bueno e o Global não trazem os depreciativos, os pejorativos. O Aurélio, por sua vez, o faz. Faz, porém, simplesmente com um P. ext., a partir do qual faz um exercício de sinonímia entre os colchetes que coloca. Em nenhum momento está marcado o caráter pejorativo dos termos dessa “extensão”, nem sua origem histórica, como acontece em 3, por exemplo. Na verdade, é possível considerar que o que aparece entre colchetes é o que há de principal em 6, pois a entrada inicial “Indivíduo protestante” traz protestante como adjetivo nessa estrutura e é, portanto, redundante com 2, 3 e 4.
Quanto ao conteúdo dos colchetes, boa parte dos vocábulos direciona para protestante (6), em uma espécie de ciclo vicioso que, possivelmente, tenta evitar a abordagem do pejorativo e, por extensão J, da contradição, do preconceito, do espezinhamento das minorias e da violência. Compilamos abaixo os verbetes, para fundamentar nossa argumentação.
huguenote. [Do fr. huguenot.] Adj. 2 g 1. Relativo aos huguenotes. 2. Restr. V. calvinista (2). S. 2 g 3. Designação depreciativa que os católicos franceses deram aos protestantes, especialmente aos calvinistas, e que estes adotaram. 4. P. ext. Protestante (4).
crente. 5. Bras. V. protestante (6).
evangelista. 4. Bras. V. protestante (6).
nova-seita. S. 2 g. Bras., N.E. V. protestante (6). [Pl.: novas-seitas.]
missa-seca. [De missa + o fem. Substantivado do adj. seco] S. 2 g. Bras., N.E. Pop. V. protestante (6). [Pl.: missas-secas. Cf. missa seca.]
*Missa seca. Bras., N.E. Aquela em que o sacerdote não consagra. [Cf. missa-seca]
bíblia. S. 2 g. 5. Bras., Pop. V. protestante (6).
bode. 13. Bras., N.E. Pop. V. protestante (6).
come-santo. [De comer + santo] S. 2 g. Bras. Pej. V. protestante (6).
frei-bode. S. m. Bras., N.E. Pop. V. protestante (6). [Pl.: freis-bodes.]*Em missa.
Contrariando nossa argumentação anterior, temos “3. Designação depreciativa que os católicos franceses deram aos protestantes...” em huguenote e “...Bras. Pej. V. protestante (6) em come-santo.
Quanto ao primeiro caso, note-se que a “designação depreciativa” é coisa dos FRANCESES, minha gente, FRANCESES. E, quanto à notação de “Pej.” em come-santo, há que se admitir que essa única referência é, no mínimo, tímida, embora mereça registro. No mais, são casos de V. protestante (6), com inserções, aqui e ali, de alguns N.E. e Pop. Com larga vantagem para N.E., o que pode sugerir maior acirramento das desavenças entre católicos e protestantes nordestinos, ou maior militância contra-reformista da lideranças católicas no nordeste.
O único vocábulo que vem com alguma referência histórica é de origem estrangeira, tratando de um fenômeno comum ao longo da história, que é o assumir do termo pejorativo, com certo orgulho, pelo grupo que recebe o rótulo. Isso se verifica, inclusive, na própria igreja do século I que assume o depreciativo “cristãos”. É claro que uma palavra como “bíblia”, em um enunciado como “Lá vai os bíblia”, está revestida de um pragmatismo que, eventualmente, dispensaria uma tal referência. Mas isso não se verifica com a mesma facilidade em “bode” e “frei-bode”, por exemplo. Coisas como “come-santo”, por exemplo, podem ter a ver com os boatos, que ainda podem ser encontrados, de que os protestantes, a exemplo do comunistas, ironicamente, comem criancinhas, além de serem seus líderes, seguidores do diabo: mesma acusação que alguns protestantes devolvem, sem a parte do banquete de criancinhas, que, aliás, era um boato pagão corrente a respeito dos cristãos dos primeiros séculos desta era.
Os outros dois dicionários não trazem qualquer outra contribuição relevante aos vocábulos da “extensão” do Aurélio.
É possível supor que as apologias do Silveira Bueno e do Global se façam pelo viés da concisão e da objetividade, que eliminam tantos “riscos”. O Aurélio, porém, tem o mérito de correr riscos um pouco mais, trazendo a possibilidade de abrir a consideração de um vocábulo, revelando que nem tudo está dado, contribuindo para mostrar que a discursividade atribui ao vocábulo conotações as mais variadas. É óbvio que o Aurélio não dá conta disso, porque os interlocutores, as terceiras pessoas do discurso, o objeto do discurso e o próprio discurso é que configuram esse tão enorme número de matizes.

06/09/2006 16:45 - publicado por Adeilson

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